segunda-feira, 22 de julho de 2013

Galera que Fortalece

     Acabei de chegar em casa. Tô molhada, tô eufórica. Tô cansada e com frio. Mas acima de qualquer coisa, estou feliz.

     Hoje eu posso dizer que agreguei. Agreguei coisas na minha vida, e coisas na vida de um monte de gente. Tá um frio gigantesco em Curitiba, saí de casa com 5° na rua. Mas eu tenho casa. Eu tenho coberta quentinha, eu tenho chuveiro quentinho, eu tenho Toddy quentinho. À tarde fizeram uma campanha no facebook pedindo cobertores e agasalhos pra distribuir para a população em situação de rua. Eu já havia me desfeito de roupas no começo do inverno, e só me sobrava um cobertor em casa. Olhei as gavetas e percebi que também tinha um tênis que estava sem usar. Feito: coloquei numa sacola e levei pra praça Tiradentes, um dos locais onde a quantidade de drogados e mendigos é grande.

      Cheguei e tinha uma galera lá, agregando. Recebendo, entregando e separando roupas - roupas boas, de marca, de grife, de corte bonito - para entregar para quem precisava. Deixei a sacola e fui ajudar a galera com a entrega das coisas. Logo começaram a chegar os 'dingos, e de início eu estava tranquila, mas logo chegaram muitos, e fiquei com medo de que furtassem meu celular, de que pegassem algo, sei lá (até porquê, alguns eram drogados, e estavam mais agressivos).

       Depois de uns 15 minutos, tomei vergonha na cara, engoli meu preconceito, e me deixei levar. Fazia uma piada com quase todo mundo que vinha falar comigo, chamava de "gato" e "gata" os 'dingos que vinha dizer "moça, na humildade, tem uma brusa quente, uma jaqueta? é pa mim, é pa minha esposa também" (adendo: eles dizem "esposa" mesmo. achei uma graça). Aí eu já perguntava se queria uma calça, se tinha uma meia, se tinha onde dormir, e quando eles me ouviam, dizia pra eles irem dormir no abrigo, principalmente amanhã, já que a máxima prevista é 4°. Uns riam, outros diziam que nem sabiam que existia lugar pra dormir.

         O que me chamou bastante atenção, é que na maioria, eles falavam muito baixo, como se tivessem vergonha de falar com qualquer um de nós ali, e chegavam fazendo cara de desespero, pedindo "na humildade". Olha que tapa nessa minha cara soberba... Nós, nós com acesso à internet, nós com cama quente, nós com faculdade, nós não chegamos "na humildade". Nós chegamos em qualquer lugar com a sensação do Rei na Barriga, com a ideia de superioridade, com essa droga de Ego subindo em cima de qualquer um. E o pessoal em situação de rua ali, ensinando que é "na humildade" que a gente consegue as coisas. Seja um cobertor, seja um sorriso, seja um chazinho. Ah, quero contar que quando eles falavam muito baixo, ou com muita vergonha, eu fazia logo uma piada, gesticulava largo, dançava, só pra eles rirem e perceberem que não precisa ficar implorando por algo que é direito deles. Ah, o que é direito? Isso que a gente ignora. Direito de comer, direito de vestir roupa boa. Em momento algum nós devemos nos colocar em um patamar acima deles, e o motivo é simples: Eles somos nós. Conceito difícil, eu sei, mas verdadeiro. Eles são o que a gente é. A gente sente fome, a gente sente frio, a gente sente medo de gente "maior" que a gente.

         Um dos moradores em situação de rua veio conversar comigo, pedindo um sapato quente pra que ele pudesse trabalhar, sim, porque ele trabalhava. Me mostrou o cartão-ponto dele, de "segurança" de estações Tubo. Me explicou que ele está na rua por um tempo, mas que assim que der, aluga um quarto, porque agora tem salário. Essa conversa me deixou tão satisfeita! Essa conversa me mostrou que tem gente que tá na rua pela malandragem, pelos vícios, mas que também tem gente que  tá na rua porque a vida deu uma invertida. Acontece com todos nós.
         A galera que tava fortalecendo a entrega das roupas e cobertores parecia realmente uma grande família. Sabe aquelas festas e aniversário da avó que a gente vê os primos distantes e de repente agrega todo mundo, pra não ficar ninguém sozinho, pra ajudar a arrumar tudo? Então, me senti assim. Pessoalmente não conhecia ninguém - ninguém mesmo - que estava lá; vi o evento no face e fui, bem linda. Logo todo mundo já era meu amigo de infância, e logo todos se ajudavam, pra gente poder agregar aos que estavam ganhando os presentes.

         A sensação é boa, a sensação é de ter crescido muito essa noite. Estou grata, extremamente grata por ter tido coragem de sair da minha zona de conforto e ter ido tomar chuva, sentir medo, sentir alegria, sentir o carinho todo que senti na rua hoje.

Nota: Não sei se perceberam, mas em momento algum eu disse que eu fiz uma doação, ou que ajudei os cidadãos em situação de rua. E não disse isso porque não me senti ajudando os cidadãos de rua, nem doando nada. Não me sinto fazendo caridade, nem comprando minha vaguinha no céu. Me sinto humana. Humanizada. Repartir o que eu tinha (nesse caso, era somente meu tempo) com um igual foi tão completo. Ver a moça que saiu toda feliz porque tinha bota combinando com o casaco, e com o cachecol, e com a blusa, foi como se eu tivesse presenteado minha própria irmã (alguém que amo muito). Foi tão importante esse momento, que reiterei minha vontade de trabalhar agregando com as pessoas. Sim, porque quando a gente vai pra rua, pra um abrigo, a gente não ajuda (afinal, quem somos nós pra ajudar? por favor), a gente agrega. Agrega ideia, agrega sentimento, agrega comportamento, agrega experiência. Boçal demais pensar que ajudei alguém só porque dei roupa e comida. Boçal demais. Mas posso dizer, sem dúvidas, que fui ajudada. Fui ajudada a encontrar o que me deixa mais feliz, fui ajudada a gastar meu tempo com algo a mais do que livros ou internet. Ganhei mais do que eles, na verdade.

P.s.: Desculpa se as ideias estão emboladas, ou se algo realmente não fez sentido, mas preferi escrever sem pensar muito, aí quem sabe vocês sintam como eu me sinto. E no mais, coragem, porque sair da zona de conforto dói, mas é incrível.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

.Tem que morrer pra germinar.

E a vontade de ser possuído pela vontade de ser possuído?

Aquela tigresa de unhas negras guardava em si muito mais que íris cor de mel, guardava toda a vida e a morte dentro daqueles olhos, daquela boca, daquele término sem sentido. Sem sentido pra mim, que era mortal.

Era, porque agora ela me revive, me eterniza, me amplia e digladia com minha mente.
Brinca de sorrisos infantis e olhares de mulher feita, cigana dissimulada. Me complica a vida, me destrava, me destrói.

Me fascina com o tom displicente de quem sabe que sabe. Vadia, malandra, pirata, piranha. Uma mulher em mil, mil mulheres em uma. Uma mulher em mim.

Aquele grão de nada, tão nada que desconstrói o que todo dia eu faço igual.

O possessivo me exalta.